António da Fonseca Reis
Reformado - Coimbra
Foi-me pedido para transmitir o meu
testemunho, na qualidade de paciente, sobre a sequência de
acontecimentos relacionada com o diagnóstico, tratamento e seguimento do
tumor da próstata. Decorrido já algum tempo após a cirurgia, e tendo
sido todo o processo bem diferente daquilo que à partida eu próprio
imaginava, julgo estar já em condições de poder descrever não apenas os
passos deste processo, como também os sentimentos e medos que me foram
acompanhando, podendo este relato ser um contributo, ainda que modesto,
para desmontar os receios, muitas vezes injustificados, que outras
pessoas sentem, tal como eu senti, quando lhes é diagnosticada esta
patologia.
No início, como acontece com muitos de
nós, foi a recusa de fazer análises com a frequência necessária. Sei
agora que qualquer homem deverá fazer o rastreio do carcinoma da
próstata a partir dos 40-50 anos, uma vez que é a partir dessa idade que
ele tem maior possibilidade de ocorrer. Mais ainda, e como é sabido por
todos, quanto mais precocemente diagnosticado maiores são as
possibilidades de ser eficazmente tratado e mesmo curado.
A dificuldade em urinar e o aparecimento
de sangue na urina não passaram despercebidos à minha mulher, sempre
ávida de me encontrar uma nova doença. Pelo menos era assim que eu,
muito injustamente, lhe ia respondendo de cada vez que ela me
pressionava para fazer novas análises. Incapaz de suster as suas
investidas, lá ia acedendo, ainda que geralmente contrariado. Numa
dessas análises, o valor de PSA, a análise sanguínea de eleição,
ultrapassou os valores limite da situação normal, sugerindo uma atenção
mais próxima, eventualmente com outros exames, que eu, contudo, teimava
em recusar ou adiar. A minha mulher, sempre atenta e desconfiada,
decidiu então intervir à minha revelia. E foi devido ao pedido que ela
fez à médica de família para que me solicitasse uma biópsia que pude
começar a cuidar de forma correcta do meu problema. As análises e exames
que se seguiram confirmaram as suspeitas – o diagnóstico era um tumor da
próstata.
Faltaria à verdade se não dissesse que
nesta fase começaram verdadeiramente os medos e as dúvidas. Só neste
momento percebemos que as coisas não acontecem só aos outros. Mas até
essa altura era assim que eu certamente pensava. Na primeira fase foi
fundamental a forma como o médico, com elevado profissionalismo e
postura exemplar, soube acalmar os meus receios e, com a ajuda da
família, pintar as palavras mais duras de cores menos escuras.
Foi com natural expectativa que esperei pela marcação da cirurgia. E
julgo que foi a partir desse momento que se iniciou a desmontagem dos
meus medos e receios. Na verdade, a forma como a equipe médica me
recebeu e transmitiu toda a informação com elevado sentido de
responsabilidade e profissionalismo, contribuíram decisivamente para
restituir muita da confiança entretanto abalada.
O desconhecimento é, sem dúvida alguma, um
aliado do medo. E por isso é que considero que o magnífico
acompanhamento médico que tive foi essencial para encarar a cirurgia com
maior firmeza. Sei que estive entregue a dois profissionais de eleição,
o Prof. Arnaldo Figueiredo e o Dr. Belmiro Parada, do Serviço de
Urologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra.
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A operação correu muito bem,
o tumor foi integralmente removido, e a ela se seguiu a recuperação.
Nesta fase começaram a aparecer outros receios, que hoje sei serem, uma
vez mais, bastante infundados. A limitação de regressar a casa com uma
algália perturba qualquer um. Não apenas sob o ponto de vista da
dificuldade física e psicológica, mas sobretudo porque começam a
elevar-se os fantasmas da incontinência e da irreversibilidade da
disfunção sexual. Relativamente à incontinência, as incertezas que me
acompanhavam eram na verdade muito exageradas, uma vez que tudo decorreu
de acordo com o que me havia sido dito pelos médicos. Em poucas semanas
tinha recuperado totalmente a autonomia, o que de resto acontece com a
grande percentagem dos doentes. E mesmo o período em que voltei a
precisar de fralda, na verdade não chegou a ser nada do que imaginava.
Estas ditas fraldas, não passam hoje de normais cuecas, apenas mais
almofadadas, e que, para além de cómodas, são facilmente substituídas
fora de casa, se tal for mesmo necessário.
E, porque se eu não disser
me vão certamente perguntar, vou referir-me ao aspecto da função sexual.
E faço-o com toda a naturalidade, não escondendo que era, como para
qualquer homem, mais um dos receios que pesava nesta doença. É claro que
já não sou um jovem, para o qual a perda da função eréctil seria
certamente mais penalizadora, mas não deixei de criar macaquinhos em
relação a isso. Contudo, posso dizer que aqueles receios eram, e uma vez
mais, claramente exagerados. Primeiro porque se a escolha é entre a cura
e a perda desta função, a resposta pela vida é óbvia para qualquer um de
nós. Mas, sobretudo porque nem essa questão se coloca dessa forma na
maioria dos casos. Na verdade, e uma vez mais, bem acompanhado e
aconselhado medicamente, é possível manter estas funções sem que os
procedimentos que o permitem sejam demasiadamente penosos.
Antes de terminar gostaria
de dizer que após a cirurgia tenho sido acompanhado de forma regular
pelo médico (efectuando análises rotineiras de PSA com a frequência
necessária). E que, ultrapassadas estas etapas, julgo ter ganho ânimo
para uma nova vida. Na verdade, talvez por agora saber que não acontece
só aos outros, comecei a tomar outras medidas para prevenir outras
doenças, nomeadamente cardiovasculares. Passei a ter preocupações com
uma alimentação mais saudável, à qual rapidamente me habituei e da qual
já não prescindo. E até a caminhada de 30 minutos ao fim da tarde, que
no início não passava de um medida que institui por achar necessária,
passou a ser um momento de pausa e alívio.
Seria injusto que terminasse
o meu testemunho sem realçar a importância da vigilância do PSA e do
diagnóstico precoce, e neste sentido, tenho que reconhecer neste momento
que a desconfiança e teimosia da minha mulher tiveram aqui um papel
quase tão importante quanto o excelente profissionalismo dos médicos.
Gostaria de reforçar a ideia de que os medos, receios e fantasmas que
nos ocorrem são geralmente exagerados e resultam sobretudo do
desconhecimento. Nesse sentido, queria enaltecer as iniciativas da
Associação Portuguesa dos Doentes da Próstata, e agradecer o convite que
me fizeram para dar o meu testemunho, o que fiz com todo o prazer.
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