Manuel Nunes e Sá
Viseu
Tenho vivido nos últimos
tempos num período de constante sobressalto, de imensas dúvidas, porque
não, de muito medo. Devido a um grave problema cardíaco, sabia que iria
ser operado ao coração, tendo plena consciência de que o mês exacto
estava cada vez mais próximo.
As precauções iam
aumentando. Alimentação mais cuidada, álcool de lado (nunca me
considerei um bebedor). Somente o hábito de fumar continuava a ser mais
forte.
No hospital de Viseu tinha
consultas de cardiologia (semestrais), fazendo análises gerais de ano a
ano. Embora considerasse um exagero, repetia as mesmas análises também
de seis em seis meses ou seja, fazia análises gerais duas vezes por ano.
Foi precisamente na leitura
de análises da minha responsabilidade que me apareceu um PSA com um
valor de quatro ponto qualquer coisa.
Preocupado pelo valor
superior a quatro que apresentava, procurei um médico da especialidade
de urologia. Como é evidente foi um período de muitas dúvidas, de algum
pavor até.
Chegou o dia da consulta.
Vacilante, entrei para o consultório expondo a minha situação. Após a
realização da consulta, o veredicto mais temido saiu, friamente, sem
qualquer tipo de contemplação: “...tem um cancro pequeno que necessita
de ser operado o mais rápido possível”. Outras coisas ouvi que não irei
conseguir reproduzir. Guardá-las-ei para sempre no interior de mim
mesmo, como o exemplo da forma como não se deve tratar um doente, em
situações semelhantes.
Ao ouvir este veredicto, “o
coração parou”. Uma sucessão de cenários passou pela minha cabeça. A
vida, a família, os netos, que mais meu Deus... Estava perplexo,
perdido.
Muito deprimido e na procura
de uma “ tábua de salvação “ ou de alguém com quem me pudesse abrir e me
aconselhasse (não desejava transmitir à família tão rapidamente o que se
passava - havia que evitar a sua dor o máximo de tempo possível), fui
falar com o meu cardiologista. Com a sua amizade e paciência habituais,
depois de me deixar expor tudo que me ia na alma, com palavras amigas e
sábias, mostrou-me o caminho que devia percorrer.
Sentia-me um pouco mais
calmo, talvez mais seguro, porque não mais confiante, acreditando que
iria conseguir ultrapassar este grande obstáculo. Teria que arranjar
forças para lutar contra “e l e” mas ainda assim o temor, contudo,
persistia.
Decidi, então, procurar
outro médico urologista. Surgiu, assim, na minha vida, o Dr. Olindo
Amaral.
Lembro-me, perfeitamente, da
primeira consulta. Do toque rectal. Calmo, sereno, com uma delicadeza
inexcedível, foi-me informando, repetidamente, que podia ser x, que
podia ser z (empregou sempre os nomes próprios, como é evidente), mas
que também podia ser um carcinoma. Só o resultado de uma biópsia que
iria fazer no seu próprio consultório, ditaria a realidade da situação.
De informação em informação, deixou bem explícito que, a ser o pior, era
algo muito pequeno, muito no início, tendo-me feito inclusivamente um
desenho demonstrativo.
Vivia-se a época de férias
de 2006. Em conjunto, optou-se por se fazer a biópsia antes da minha ida
para o litoral, ficando a saber o resultado final quase que uma semana
depois. Como é de calcular, o período que antecedeu a biópsia foi vivido
com imenso medo. Foi precisamente com medo e ansiedade, com a cabeça a
viver situações em antecipação, que passei este espaço de tempo.
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Embora a área doente fosse
muito pequena – ocupava aproximadamente 5% de um dos seis fragmento que
foram para a biópsia -, não se encontrou neoplasia maligna no restante
material enviado.
Havia, agora, que tomar a
decisão definitiva.
Depois de esclarecidas
várias opções terapêuticas, desde a prostatectomia radical, a
radioterapia ou o tratamento médico, o médico optou pela radioterapia,
por ser a mais adequada ao meu caso.
No espaço de tempo entre o
conhecimento exacto da minha situação e o iniciar os tratamentos no
Porto, embora andasse por demais intranquilo, deixei de fumar.
Antes do meu primeiro
tratamento no Porto, fui a Coimbra fazer um exame aos ossos –
densimetria óssea -. Trata-se de um exame sem grande dificuldade e
obrigatório por causa da intensidade da radioterapia que nos irá ser
aplicada.
Sector de Oncologia do
Hospital de S. João, no Porto. Primeira consulta.
Não posso deixar de
expressar o sentimento de tristeza que nos invade quando convivemos com
outros doentes, especialmente quando aparecem jovens de muito tenra
idade. Não se vêem só doentes da próstata. Vive-se praticamente com
todos os tipos de cancro. São doentes com uma cor branca, esverdeada,
com boinas ou lenços a cobrir a cabeça ou, tão simplesmente, cabeças sem
um único cabelo. Embora nos irmos habituando com o passar dos dias, foi
na realidade muito difícil de ultrapassar esse período.
Fui consultado. Estava em
causa saber-se, além de outras coisas, se o estado geral continuava bom,
se o apetite se mantinha, se havia queixas intestinais, reacções
cutâneas ao tratamento e se continuava a haver o cuidado necessário com
a pele.
No total foram-me
ministradas 36 sessões de radioterapia, com intervalos somente aos
sábados, domingos e feriados. De referir que ia e vinha todos os dias
(Viseu – Porto – Viseu).
Elucido que durante o tempo
que estamos deitados a receber tratamento, sempre na posição horizontal
e de barriga para cima, nada de anormal se sente.
A escolha do médico é muito
importante. Se o doente ouvir palavras previamente escolhidas por este,
encarará a sua situação com outra frontalidade, com um estado de
espírito mais calmo. O choque será sempre grande, mas não será,
certamente, o que se poderá apelidar de “catástrofe”.
Se souber que na sua família
houve ou há casos de doentes da próstata (pai, tios, avós, etc.), tem de
começar mais cedo a vigiar a sua próstata. A partir dos 45 anos, deve
procurar assiduamente ajuda médica para uma detecção precoce e para
conseguir vir a fazer um tratamento, com sucesso, do cancro da próstata.
Tive o problema. Com maiores
ou menores dificuldades, enfrentei-o e enfrentei igualmente as suas
consequências, quer elas tenham sido de índole psíquica ou física.
Vivi e vivo com ele.
Continuo a enfrentá-lo, mas
estou aqui.
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